O coliseu está deserto. Meu adversário não sente nada minimamente significante para opor ao meu ódio. Meu inimigo é estéril. Não há uma só chama acesa em seu coração. Não há coração. Não há luta. Não há sangue. Não há vida. Ainda assim, meu inimigo é forte, difícil de destruir.
Meu inimigo é a normalidade. Se a odeio profundamente, é porque amo os mundos que fogem dela. A beleza do invisível, a virtude do distante, a Loucura do Eu e do Outro só são possíveis em mundos que pulsam, que respiram, que vivem.
A normalidade nada afirma: nega os Múltiplos, os Eus, as Histórias, os Mundos. Ela própria se apresenta como o Anti-Mundo, ao homogeneizar tudo numa ilusão acima da realidade mesma. O Anti-Mundo não pode odiar porque não sabe amar. Não sabe amar porque não é livre. Todos os seres humanos que não se desprendem dele são por consequência, não livres. E como é difícil libertar-se desse mundo claustrofóbico!
A Grande Multidão grita, sussurra, chora, discorda, cria, constrói, destrói, produz. A massa obediente apenas ouve o discurso superior e o reproduz. É fácil se perder na infinitude de rostos da Grande Multidão. Questão de economia: a massa obediente se esconde sob uma mesma máscara.
Como me irrita essa felicidade pré-fabricada! Dispenso esses sorrisos de plástico e esses beijos açucarados. Prefiro que a Tristeza e a Solidão habitem em mim, costuradas sob minha pele, nutridas pela dor de existir. Não é que eu não queira a alegria. A quero, mas não como um ideal inatingível, como um arco-íris que não posso tocar. Quero, em verdade, muitas Alegrias, de tantos sabores quanto for possível.
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Corpos vazios desfilam em seu cortejo de medo, sepultando os ossos restantes de seres que um dia já foram capazes de viver, mas que caíram, cedo ou tarde, nas garras da normalidade.
Desprezo tudo o que já nascer morto, tudo o que exalar morte na vida.
Antes o sonho e o delírio que a ilusão. Antes a tragédia que o melodrama. Antes o prazer e a dor que a dormência. Antes a revolta que a impotência. Antes a raiva que o ressentimento. Antes o sabor de uma incerteza conquistada que a amargura de uma certeza estática e anêmica. Antes perder o fôlego por lutar contra uma violenta correnteza que esperar que a maré baixe para entrar no mar. Antes a ação que a reação. Antes ver mil desgraças e mil virtudes todos os dias que entregar meus olhos à cegueira voluntária.
Os espíritos livres morrem de amor. As almas normais morrem de tédio.