Algumas semanas transcorreram sem notícias de coisa alguma, desde aquele dia em que decidi, diante os fatos postos, distanciar-me de tudo e de todos. Que aconteceu naquele dia para que eu rompesse tão abruptamente aqueles laços ternos e febris que juntavam nossos pulsos a qualquer distância de nossos cotidianos? Respondo sem fraquejar: nada. Nada acontecia e o temor de que alguma normalidade devorasse de uma vez por todas aquele cenário tomou-me pelo pescoço. Nada acontecia e antes que até o nada parasse de acontecer, decidi deixá-los. As saudades renovariam nossas canções ou as calariam definitivamente.
Desde então, minhas únicas armas – que terríveis e mortais armas – são as lembranças, os papéis e as canetas. Canetas? Como canetas, se eu não cansava de dizer a ela que os escritos deviam nascer sob o jugo da pena e da tinta, à moda antiga? Alguém já te disse para não dar ouvidos aos escritores? Pois bem.
Que deselegante anfitriã sou! Antes que eu descarregue todo o meu pedantismo ao tentar juntar os fragmentos de memória daqueles que merecem minha pieguice literária, devo, com toda a polidez, apresentá-los a ti, amigo.
Ela é daquelas moças que nos matam com o olhar. Ele é daqueles rapazes que amam ser mortos com o olhar de certas moças. Tudo bem, tudo bem… Serei menos galante, prometo.
As imagens parecem estar levemente cobertas de alguma neblina. Consigo ver seus rostos claramente, embora todo o resto permaneça meio turvo sob meus olhos. O rosto dele carrega aquela secura infernal, quase caricturesca dos desajustados. Seu sorriso é sensível e generoso o bastante para anunciar que seu proprietário é um ser que ama demais. O rosto dela é envolto por uma ternura quase celestial, não fosse seu poder mortal. Seu sorriso carrega a poesia típica das musas eternas, às quais os pobres-diabos entregam suas almas durante toda a História.
Por muito tempo pensei que eles estavam em mim, mas agora sei que eu sou quem está neles. Cada passo, cada toque, cada febre, cada gesto desses seres encantadores carrega minha assinatura, um pedaço de mim que não caberia nesse mundo. Eu os lhes dei vida. Eles me tiraram o medo de viver.
Os conheci há relativamente pouco tempo. Numa noite, ela apresentou-me a ele num lugar pouco importante. Num dia, outro alguém me apresentou muito rasa e formalmente a ela, num lugar menos importante ainda. Não dei a mínima atenção para aquela moça de nome que custei a entender. Finquei meus pés de aventureira no mistério no olhar daquele que se incomoda quando fixo os olhos em seus olhares que certamente guardam segredos. Ele foi embora, voltou, foi embora e voltou outra vez. Ela? Bem… Eu não quero pensar que um dia ela pode ir.
Ele batizou-me na errância: renovou-me o espírito. Ela me ensinou a amar desmedidamente, mesmo sem querer. Ele é meu veneno. Ela, meu bálsamo. Embora amiúde ele seja quem me cura e ela quem me envenena. Juntos estiveram num passado apaixonado. Agora, se olham friamente. Mas sei que seus corações anseiam por entrelaçarem-se novamente. As feridas não deixam.
Eu os amo?
A desenvolver.